Por Jaqueline Regina Paes
Imagine-se usando uma faca para cortar alimentos ou um estilete para artesanato. Um pequeno descuido, um corte. A dor nos faz redobrar o cuidado. Agora, pense em alguém que se corta propositalmente. Por quê? Seria prazer? Busca de atenção? Uma forma de adrenalina?
Não é simples entender. Por trás da automutilação — conhecida também como cutting — há histórias únicas, sofrimentos profundos e um pedido silencioso de socorro. O número de adolescentes que têm recorrido a essa prática tem aumentado, e não podemos ignorar.
O que leva um adolescente a se cortar?
A adolescência é um período de transformações intensas, em que os jovens experimentam pressões emocionais, crises de identidade e sentimentos difíceis de nomear. Muitos encontram na automutilação uma forma de aliviar temporariamente a angústia. É como uma válvula de escape.
Uma das imagens mais didáticas para explicar esse comportamento é a do balão: quando pressionado por emoções acumuladas, ele pode explodir — ou, se furado discretamente, esvaziar-se aos poucos. O corte, para quem sofre, é essa tentativa de liberar a dor interna que não encontra outra forma de sair.
Em alguns casos, o ato também representa punição por sentimentos de culpa, fracasso ou inadequação. Não é raro que os próprios adolescentes não saibam explicar o que sentem — apenas querem que a dor cesse, de algum modo.
Como os pais e educadores devem reagir?
Dizer “é frescura”, “na minha época isso não existia” ou “é só chamar atenção” não ajuda — pelo contrário, afasta. Se o adolescente está se machucando, é porque está sofrendo. E mesmo que a motivação envolva chamar atenção, o que está sendo pedido é justamente atenção, escuta, acolhimento.
A escola e a família devem estar atentas. Se a escola percebe os sinais primeiro, é essencial informar os responsáveis com respeito. Não se trata de moda ou imitação. Mesmo que um adolescente esteja repetindo o comportamento de colegas, isso sinaliza um sofrimento que merece cuidado.
Ao descobrir, mantenha a calma. Evite reações de pânico, punições ou palavras que envergonhem. O que ele precisa é sentir que pode confiar, que existe espaço seguro para compartilhar o que está vivendo.
O corpo e a alma
Nosso corpo é um espelho da alma. Quando as emoções estão à flor da pele e a dor se torna insuportável, o corpo pode ser usado como forma de expressão do que não se consegue verbalizar. A automutilação é uma tentativa de aliviar a alma ferida através do corpo.
O que essa prática nos mostra é que há um sofrimento real, intenso e urgente. E isso exige de nós empatia, escuta e ação.
O caminho da cura
A cura começa com acolhimento. Envolver-se, escutar, demonstrar presença real. Conversar sem julgar. E, sempre que necessário, buscar ajuda profissional. Psicólogos e psicoterapeutas estão preparados para ajudar adolescentes a nomear suas emoções, fortalecer sua autoestima e desenvolver novas formas de lidar com os desafios da vida.
E, sobretudo, lembre-se: automutilação não é frescura, não é birra — é um grito de alguém que está no limite. Se é para chamar a atenção, então dê atenção. Amor, escuta e presença são, muitas vezes, o começo da resposta que essa dor precisa.
Jaqueline Regina Paes é psicóloga. Pastora e Ministra de Missões da IPI do Brasil