Cresci numa casa onde os princípios da Bíblia e servir a Deus eram assuntos levados muito a sério. Vim de uma família que por anos abria e fechava a igreja – duas vezes aos domingos e certamente mais algum (ou alguns) outros dias da semana. Mesmo assim, quatro décadas de estudos bíblicos, as milhares de pregações ouvidas ou a faculdade de Teologia não me deixaram claro que seria tão importante começar pelo começo.
A verdade é que apenas entender o começo não será o suficiente. Sérios questionamentos me fazem concluir que enquanto se entende o começo, vale a pena ter um bom panorama “do fim”. Mas esse “fim” ficará para um outro momento.
Antes de começar, com o começo (!), me permita apenas abrir um pequeno importante (parênteses), para darmos os primeiros passos (lá no começo) com mais segurança e tranquilidade.
Estamos diante de uma grande história de Amor. Todo o relato bíblico nos ajuda a compreender (ainda que imperfeitamente) quem é o Amor, o que Ele faz e, como alcança toda a Sua criação (João 3.16). Posto isso, comecemos!
Gênesis, o livro dos inícios, nos mostra um princípio de muita arrumação: Deus organizando sua Casa. Em determinado momento entramos na história. Diferente dos outros seres, o Criador decide nos moldar à Sua imagem e semelhança. Em seguida, nos dá uma clara missão: cuidar da criação (Gênesis 2).
Desde que passamos a existir temos uma tarefa a cumprir: continuar organizando, nomeando, mantendo em ordem o imenso jardim do Criador.
É exatamente aqui onde geralmente encontramos um probleminha de interpretação. A palavra dominar tem sido muito usada quando nos referimos ao começo (Gênesis 1.28).
Creio que a dificuldade em compreender seu real significado (associada a um outro problemão: o pecado) tenha levado a raça humana ao descumprimento da sua missão.
Pense na sua casa. Como você “domina” sua casa no dia-a-dia? Sua família sai quebrando as coisas, rasgando as roupas, colocando as paredes a baixo, do nada?
O Deus que é Amor não ordenou que desmatássemos a Amazônia, que vivêssemos um estilo de vida tão agressivo ao ponto de extinguir outros seres da face da terra, levando a todos ao esgotamento.
Segundo o indígena e ambientalista Ailton Krenak, enquanto os parques se transformam em parking, como humanidade vamos sendo descolados de maneira absoluta do organismo terra.
A tecnologia avança no mesmo ritmo que descartamos a criação, transformada em recurso. As folhas que caem das árvores são colocadas em sacos plásticos, tratadas como lixo, um termo completamente desconhecido pela natureza, onde tudo circula num grande movimento de vida-morte-vida.
Por falar em natureza, este é mais um termo corrompido. Esquecemos nossas raízes, ao ponto de reduzirmos a natureza a tudo que não foi construído pelo homem. Como se não estivesse em nós. Como se não fizéssemos parte dela.
De fato, a Casa parece estar cada vez mais desorientada.
Num momento chave, ainda lá no distante começo, a desorganização reinava. Quando tudo parecia ter sido destruído, na verdade não foi! Noé desce da arca com sua família e todos os animais e, é surpreendido pelo Deus Amor. O Criador faz um pacto, a primeira aliança, com a humanidade e com os animais (Gênesis 9).
Muitos e muitos anos depois, a desorganização parece nos engolir novamente. A ciência confirma tamanha bagunça. Através das centenas de milhares de pesquisas e estudos nos apresenta dados e prazos – provando o tanto que falhamos na missão.
Conforme a aliança feita com Noé, sabemos que a Terra continuará por aqui. Mas infelizmente, neste momento, mais de um milhão de espécies enfrentam risco de extinção, muitas delas dentro de décadas. A não ser que ações sejam tomadas para reduzir a intensidade de impulsionadores de perda à biodiversidade (palavras da ONU).
Chegamos num ponto onde não há mais espaço para nos desresponsabilizarmos. Não é possível continuar impulsionando esse massacre. O jardim somos nós e ele precisa ser regenerado.
Nossa espécie também corre grande risco. Muitas vidas se perdem enquanto o rápido avanço das mudanças climáticas não é levado a sério pelos seus maiores responsáveis.
Te convido então a encarar a realidade do Começo, trazendo-a para o seu hoje como um presente. Afinal, como diz meu amigo teólogo Timóteo Carriker, cuidar da criação não é apenas um dos papéis da humanidade, esta é A nossa missão!
NICOLE BERNDT
Fundadora do Projeto Casa Sem Lixo
Formada em Teologia e Design de Moda
Embaixadora do Instituto Lixo Zero Brasil
Colunista da Revista Pais & Filhos